
Unindo arte, ciência, filosofia e engenharia em um projeto monumental, Lalalli Senna — artista, antropóloga e sobrinha de Ayrton Senna — idealizou a Senna Tower como uma obra viva, que transcende a arquitetura tradicional para se transformar em um símbolo universal da busca humana por superação e transcendência. Inspirada por conceitos como a Proporção Áurea, a sequência de Fibonacci e a Jornada do Herói, Lalalli conduziu um processo criativo profundo, que deu origem a uma instalação artística habitável, onde cada traço e cada material expressam uma narrativa de ascensão.
Nesta entrevista, ela compartilha os bastidores da criação da Senna Tower, revela como transformou ideias abstratas em formas concretas e explica de que maneira a trajetória de Ayrton Senna inspirou uma obra destinada a perpetuar, no horizonte, o legado simbólico e espiritual do piloto brasileiro.
Lalalli, a Senna Tower nasce como uma manifestação artística que materializa conceitos matemáticos e filosóficos profundos, como a Proporção Áurea e a Sequência de Fibonacci. Como foi o processo criativo para transformar essas ideias abstratas em uma forma arquitetônica concreta e simbólica?
Todo esse processo criativo veio de uma grande inspiração inicial, em que vislumbrei na minha mente a imagem de uma reta vertical ao lado de uma curva ascendente que nunca a tocava. Nesse momento, tive a gestalt de que aquelas linhas representavam a forma como a natureza física, representada pela sequência de Fibonacci, busca refletir e tocar um padrão matemático ideal e intangível: a reta ascendente, a Proporção Áurea.
Por causa de toda a minha formação em geometria da natureza, esses conceitos foram “clicando” rapidamente após a visão inicial, e foi a primeira vez que percebi a conexão entre esses dois aspectos matemáticos dessa forma: que estamos numa grande “dança” onde o mundo material busca refletir os padrões superiores.
Em seguida, percebi que isso também acontece na escala humana, pois o mesmo desenho das linhas reflete também a trajetória dos heróis, que são de carne e osso, e saem do Eixo da Matéria (horizontal) numa jornada em direção a valores superiores e impossíveis de serem plenamente tocados (representados pelo Eixo Vertical). Na medida em que avançam nessa busca, perdem a casca mortal e sua dimensão material para juntar-se à dimensão do eterno.
A visão foi muito rápida, mas os meus anos de estudo sobre antropologia da arte e geometria me ajudaram a entender e interpretar o que tinha visto, de forma artística. A ideia foi muito bem recebida, pois tangibilizava o que tornou o Ayrton único, não uma temática meramente automobilística e esportiva, mas a grandiosidade do espírito humano que busca ascender aos ideais e todos os desafios relacionados a isso: algo que está numa escala coletiva, e não individual do piloto.
O formato da torre que propus era extremamente funcional para um projeto de supertall, além de casar perfeitamente com o formato do terreno. Minha sugestão, não apenas da silhueta, mas do topo “desmaterializando” e usando a energia do vento, passou a ser importante na funcionalidade e estabilidade da torre, do ponto de vista da engenharia, sendo um pré-requisito para o sucesso do projeto em parceria com a FG Empreendimentos.
Por isso, a partir desse conceito, fui dirigindo toda a parte criativa do projeto, e tive a grande honra de trabalhar com muitos grupos de profissionais extremamente qualificados, como engenheiros de renome mundial, que me ajudaram a tangibilizar cada parte do conceito em partes concretas, seguras e funcionais.
Por último, criei a parte de interiores, que reflete todo esse conceito no nível “micro”, como uma grande jornada do herói que passa simbolizada e tangibilizada em cada ambiente, desde a infância, no embasamento, subindo até o coroamento para a transição final.
O embasamento, seguindo o diagrama, é a conexão com o eixo material da natureza e é inteiro permeado por elementais mais concretos (florestas, pedras, fontes). Na medida em que a torre sobe, os elementais vão se tornando mais sutis: raios e trovões, estrelas e galáxias e, por último, o vento e a luz que seguem ao infinito.
Acredito veementemente que construções grandiosas como essa devem ter função simbólica para além da arquitetônica. Por isso, procurei tratar cada grande estrutura e cada pequeno detalhe como reflexos filosóficos, artísticos e simbólicos da jornada de ascensão humana, e o projeto todo é concebido como uma grande instalação artística habitável.
A torre simboliza a “Jornada do Herói” e a busca por um ideal. Como essa ideia se conecta com a história de Ayrton Senna e com a mensagem que você quer passar com o projeto?
Existe uma dimensão visível do que o Ayrton representou: o piloto, as vitórias incríveis, a genialidade no esporte. Por tudo isso seria natural ele ser admirado. Mas acredito que existe uma dimensão invisível, que é a que verdadeiramente tocou e mobilizou uma energia coletiva que até hoje é inexplicável, pois a conexão que ele tinha com as pessoas vai além da admiração, é algo muito profundo.
Humildemente, com a minha interpretação de artista e experiência como membro da família, que tem tido tantos anos de contato com pessoas que ele tocou tanto, acredito que a conexão que ele provocou era maior, pois ele movia uma energia muito profunda nas pessoas, algo fundamental. Ele empodera o “herói interior” de cada um que o admira, através dos seus exemplos vivos de garra, superação, determinação, ética e busca por perfeição.
Por isso, a torre foi inspirada nessa conexão mais profunda, que também procuramos trazer para a Marca Senna. Para que, ainda que o “Ayrton físico” não esteja mais aqui, de alguma forma, o “Ayrton simbólico” possa continuar trazendo essa inspiração tão importante para que todos possamos superar os nossos desafios pessoais.
Acredito que não apenas ele, mas cada um de nós veio ao mundo com um potencial de luz “mágico” que deveria ser desenvolvido para o benefício individual e coletivo, pois é necessário ao sucesso enquanto sociedade. É muito difícil fazer esse processo e, para nos ajudar, temos o arquétipo do nosso “herói interior” que nos guia nessa tarefa, e que é fortalecido pelos exemplos de fora, reais ou míticos. Por isso, manter esses símbolos vivos e ativos é tão importante. Pois cada um de nós pode trazer algo brilhante para o mundo, assim como Ayrton fez.

Você fala sobre a transformação do herói em luz no topo da torre. De que forma essa ideia aparece na arquitetura, e o que você espera que as pessoas sintam ao ver isso?
O coroamento da torre é uma instalação artística em formato arquitetônico, que tangibiliza de forma viva o momento da superação dos desafios e transição final para o infinito. Ela é um casamento entre arte, arquitetura e engenharia, pois é totalmente funcional. Feita de uma multitude de espelhos, numa instalação permeável ao vento, ela “se desmaterializa” ao mesmo tempo em que deixa o vento adentrá-la e usa sua força para que possa gerar a energia que alimenta a luz da sua continuidade imaterial.
Todos os heróis enfrentam adversários, e é nos embates que o herói descobre seu verdadeiro potencial. Assim, os adversários podem até parecer algo negativo, mas na verdade são aliados ocultos na realização do potencial pleno.
O Senna Tower foi concebido como um grande ente, um personagem vivo, e com ele não poderia ser diferente: o seu adversário é o vento. Mas, ao invés de o projeto ser inviabilizado por conta disso, ele usa essa força para gerar a energia que o permite transcender ao céu.
Dotado de um sistema de Tuned Mass Damper (TMD), o único da América Latina, esse “pêndulo” oscila dentro do coroamento da torre como um grande coração que equilibra a torre perante o impacto do vento, e a energia gerada nesse embate alimenta o sistema de iluminação da torre, em especial as luzes que formam a jornada do herói nas fachadas e que completam o movimento de ascensão na sua continuação imaterial.
Como artista e antropóloga, o que significa para você unir arte, ciência e engenharia em um projeto tão grandioso? E como acredita que isso pode inspirar quem convive com essa obra?
Como antropóloga, sei que a humanidade tem passado por um grande período em que a ciência, a natureza, o sagrado e a arte se dissociaram. Mas sei que isso nem sempre foi assim. Na Antiguidade e nas sociedades chamadas tradicionais, não há essa distinção e, mesmo no Renascimento, houve novamente uma convergência desses fatores.
Eu acredito que foi importante passar por essa fase para o desenvolvimento do pensamento racional e científico, mas isso trouxe uma perda também, pois nos dissociamos do “todo”, o Holos grego. (Esse conceito, que foi “deixado para trás” e por isso não existe mais na nossa língua moderna, traduz a ideia de que na verdade o Todo é algo maior do que a pura soma das partes).
Pois, no final, todas as coisas estão conectadas, e nós estamos conectados a elas. Agora é a hora de voltarmos a fazer essa conexão, para que possamos viver de forma mais harmônica e integrada com o mundo ao nosso redor, e é um grande prazer para mim poder, de alguma forma, representar esse movimento.
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Senna Tower: O case brasileiro que eleva a construção civil à era da inovação e legado