
Por Jair Viana
Com oito anos da gestão de Orlando Morando em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o legado deixado é marcado por contradições e questionamentos. Enquanto o ex-prefeito celebrava grandes obras, a realidade fiscal e social revela fissuras que agora são alvo de investigação. Uma comissão especial da Câmara Municipal, presidida por Julinho Fuzari, ameaça transformar-se em CPI diante das evidências de um déficit de R$ 126,5 milhões deixado aos cofres públicos — dos quais R$ 55,1 milhões referem-se exclusivamente a contratos de obras irregulares. A secretária da Fazenda, Tatiana Rebucci, apresentou documentos que expõem empreendimentos com pagamentos não quitados, atrasos significativos e até estruturas entregues sem o termo de recebimento provisório — prática que ignora a verificação da qualidade dos serviços prestados.
Os problemas estruturais extrapolaram as contas. O emblemático Piscinão do Paço, inaugurado em 2020 como solução definitiva para enchentes, falhou em sua promessa: alagamentos recomeçaram apenas seis meses após a entrega, expondo falhas no planejamento. Na saúde, a inauguração de unidades como a UBS Santa Terezinha, às vésperas do fim do mandato, simboliza a pressa por um legado. Entregue em dezembro de 2024, a unidade sequer possuía energia elétrica estável, dependendo de geradores para funcionar — detalhe que a Comissão Especial agora investiga in loco, junto a outras obras, como o Bom Prato do Parque São Bernardo, ainda inacabado.
Exclusão
Na periferia, o rastro é de exclusão. Moradores do bairro Capelinha seguem à espera da urbanização prometida, paralisada após investimento de R$ 26 milhões. Em 2022, 300 famílias do Ferrazópolis foram despejadas com apenas 24 horas de aviso, sob alegação de risco, sem alternativas de reassentamento. Políticas culturais e sociais sofreram erosão: bibliotecas foram fechadas, um teatro no Três Marias foi demolido sem compensação, e o histórico Projeto Meninos e Meninas de Rua enfrentou tentativa de despejo — episódio que rendeu a Morando denúncia por racismo institucional na ONU, reforçada pela escolha de um ex-tenente do Carandiru para a Secretaria de Segurança.
Repressão
O autoritarismo também se destacou nos governos de Morando, na repressão a expressões culturais como a Batalha da Matrix, onde guardas municipais chegaram a disparar balas de borracha e aplicar multas abusivas para calar MCs. Paralelamente, quatro pedidos de impeachment ecoaram durante a gestão, envolvendo acusações de corrupção e fraudes em licitações, enquanto a dívida municipal quase dobrou entre 2017 e 2020. Se a pandemia trouxe reconhecimento pela agilidade na vacinação, a gestão Morando deixa, como contraponto, uma cidade mais desigual e fiscalmente frágil — cenário que agora demanda investigação rigorosa, sob o risco de a política de obras sem lastro custar mais que dinheiro: a confiança da população.