
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, incluindo o café, já provoca reações no mercado internacional. Para analistas e representantes do setor, a medida pode alterar os fluxos globais de comércio, pressionar os preços para baixo e reduzir o consumo norte-americano — em um cenário que exigirá redirecionamento estratégico por parte do Brasil.
O Brasil lidera mundialmente a produção e exportação de café. Só em 2024, o país exportou 8,1 milhões de sacas aos EUA, um aumento de 34% em relação ao ano anterior, consolidando-se como principal fornecedor da bebida ao mercado norte-americano. Os dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) indicam que, apenas nos primeiros cinco meses de 2025, os EUA compraram 2,9 milhões de sacas — 17,1% do total exportado pelo Brasil no período.
“A medida é preocupante porque pode desestimular o consumo no maior mercado global”, afirma Márcio Ferreira, presidente do Cecafé. “O café movimenta mais de US$ 43 para cada dólar importado, emprega mais de 2 milhões de pessoas e representa 1,2% do PIB norte-americano. No Brasil, representa 0,89% do PIB. A balança comercial do café favorece os EUA. Não há justificativa clara para essa tarifa”, completa.
Impacto no preço e na demanda
A expectativa é de que a nova tarifa leve à redução do consumo de café nos EUA e, consequentemente, ao aumento da oferta global — um cenário que pressiona os preços para baixo. “Se confirmada, a tarifa deve gerar volatilidade e queda nos preços internacionais. Na última ocasião em que uma tarifa de 10% foi anunciada, o mercado já sentiu o impacto. Agora, com 50%, o efeito pode ser ainda mais severo”, alerta Ferreira.
Segundo o Cecafé, mesmo com o mercado operando abaixo do pico registrado entre 2021 e 2023, os preços ainda estão em patamares elevados. “Hoje, o café arábica na ICE de Nova York gira entre 220 e 250 centavos de dólar por libra-peso — bem acima da média histórica de 160 centavos nos últimos dez anos”, afirma o executivo.
Além disso, o cenário climático atual é positivo: a colheita no Brasil em 2025/26 deve chegar a 65 milhões de sacas, com possibilidade de recorde para 2026/27 se não houver eventos extremos como a geada de 2021. O aumento da oferta, aliado à desaceleração da demanda dos EUA, tende a consolidar a pressão baixista sobre os preços.
Redirecionamento e oportunidades para outros mercados
Na prática, o Brasil poderá redirecionar sua produção para outros destinos, como Europa e países da Ásia — especialmente China, onde o consumo cresce entre o público jovem. “A oferta global segue restrita. É provável que o Brasil reequilibre seu comércio, ampliando vendas para mercados que ainda mostram apetite pelo produto”, afirma Oran van Dort, analista do Rabobank.
Por outro lado, os EUA podem buscar fornecedores alternativos. Colômbia, Vietnã, Indonésia, Peru e países da América Central surgem como candidatos a preencher a lacuna deixada pelos grãos brasileiros. No entanto, todos enfrentam suas próprias limitações — sejam climáticas, estruturais ou tarifárias.
“Mesmo que os EUA tentem diversificar suas origens, substituir o Brasil no curto e médio prazo é inviável. A escala e a qualidade da produção brasileira ainda são insubstituíveis”, observa Tomás Araujo, analista da StoneX. Para ele, os torrefadores norte-americanos acabarão repassando os custos ao consumidor final, encarecendo a bebida no varejo.
Incertezas no horizonte
Para os especialistas, resta saber se a tarifa será efetivamente aplicada ou se se trata de uma medida de pressão política com fins eleitorais. “Há muita especulação. Ainda não sabemos se é uma jogada estratégica ou algo que será mesmo implementado. A indústria observa com cautela”, diz Van Dort.
Enquanto isso, o setor cafeeiro global se prepara para uma possível reconfiguração dos fluxos comerciais. A decisão de Trump, se levada adiante, pode não apenas afetar os preços, mas também inaugurar uma nova fase nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos — com impactos diretos para produtores, consumidores e para o futuro do café no mundo.
Fonte: Bloomberg Línea