
Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já trabalham com a possibilidade concreta de que os Estados Unidos, sob a gestão de Donald Trump, avancem com a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de quinta-feira (01). Apesar disso, o governo brasileiro mantém negociações diplomáticas em curso.
Embora ainda espere por um acordo, o Planalto considera remota essa chance. Três fontes do governo, que falaram à BBC News Brasil sob condição de anonimato, relataram que os últimos movimentos da Casa Branca indicam disposição em manter as ameaças.
Entre os indícios, destacam-se declarações públicas de Trump contra o Brasil e a revogação de vistos de autoridades brasileiras. As medidas atingiram ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Recuos anteriores geram esperança, mas cenário atual é desfavorável
Em episódios anteriores, Trump já voltou atrás em decisões semelhantes. Ele recuou, por exemplo, em tarifas impostas à China e à União Europeia. No caso chinês, as sanções começaram em 10% e chegaram a 145%. A China respondeu com restrições e aumentos tarifários, o que levou os dois países a um acordo que fixou as taxas em uma média de 55%.
Com o bloco europeu, Trump anunciou tarifas de 50% em maio, mas adiou a cobrança para terça-feira (09). Agora, negocia-se uma taxa entre 15% e 20%. No entanto, fontes do Planalto afirmam que, no caso brasileiro, as chances de moderação diminuíram nos últimos dias.
Motivações políticas tornam recuo improvável, dizem assessores
Segundo interlocutores próximos de Lula, as tarifas ao Brasil não teriam motivação econômica. “Diferentemente de outros países, essa medida tem fundo essencialmente político”, afirmou uma das fontes.
Essa leitura se sustenta em dois pontos principais. O primeiro é o déficit comercial do Brasil com os Estados Unidos, que somou US$ 410 bilhões nos últimos 15 anos. O segundo é o fato de Trump ter ligado diretamente as tarifas ao julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no STF.
“À medida que os Estados Unidos vincularam as tarifas ao fim do processo criminal contra Bolsonaro, […] não haveria como acreditar que os norte-americanos estariam de fato interessados em algum tipo de negociação”, afirmou uma das fontes à BBC News Brasil.
Trump critica julgamento de Bolsonaro e aumenta tensão diplomática
O ex-presidente americano tem se posicionado publicamente em defesa de Bolsonaro. Na carta em que anunciou as tarifas, Trump afirmou:
“A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”
Além disso, em outra carta, divulgada na sexta-feira (18), ele declarou:
“Não estou surpreso em vê-lo liderando nas pesquisas; você foi um líder altamente respeitado e forte que serviu bem ao seu país […] É minha sincera esperança que o Governo do Brasil mude de rumo, pare de atacar oponentes políticos e acabe com seu ridículo regime de censura. Estarei observando de perto.”
Essas manifestações ocorreram antes de o STF autorizar operação da Polícia Federal contra Bolsonaro, que agora usa tornozeleira eletrônica e está proibido de acessar redes sociais.
Aliados de Bolsonaro influenciam decisões do governo americano
Integrantes do governo brasileiro acreditam que Trump estaria tentando influenciar a eleição presidencial de 2026. O objetivo seria enfraquecer Lula e abrir caminho para Bolsonaro ou algum aliado próximo retomar o poder.
Nesse contexto, interlocutores do Planalto apontam a atuação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) como relevante. O deputado federal licenciado se mudou para os Estados Unidos no início deste ano. Fontes afirmam que ele estaria articulando com pessoas próximas a Trump para influenciar diretamente as decisões do governo americano.
Segundo essas fontes, as tarifas não teriam passado pelos canais institucionais habituais, como o Departamento de Estado ou o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA). Isso dificulta a interlocução oficial do Brasil.
Negociações continuam, mas governo já prepara resposta legal e diplomática
Apesar do clima tenso, o Brasil mantém canais abertos com o governo americano. As negociações estão sob responsabilidade do vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin (PSB). Além disso, equipes técnicas do Ministério da Fazenda, do MDIC e da Presidência avaliam possíveis medidas de retaliação.
Segundo fontes, o governo tem evitado divulgar quais setores poderiam ser alvo. A ordem é manter discrição até que qualquer decisão esteja consolidada e validada por Lula.
Missão parlamentar e articulação com empresários buscam apoio nos EUA
Paralelamente, o Brasil tem articulado ações para pressionar o governo Trump de outras formas. Um dos focos está em mobilizar empresários brasileiros com negócios nos Estados Unidos.
A estratégia é simples: os clientes americanos desses empresários seriam incentivados a pressionar congressistas e membros do governo para barrar as tarifas. O governo aposta em mostrar como a medida pode afetar diretamente o consumo interno dos EUA. Produtos como café e suco de laranja, por exemplo, ficariam mais caros.
Outra iniciativa é o envio de uma comitiva parlamentar aos Estados Unidos. O grupo será liderado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e contará com oito parlamentares. A missão vai tentar sensibilizar o Congresso americano e abrir caminho para um eventual recuo das sanções.
Retaliação pode incluir tecnologia e propriedade intelectual
Em discurso em rede nacional, na semana passada, Lula chamou as tarifas de “chantagem inaceitável” e prometeu reagir.
“Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional”, afirmou.
Durante evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Goiânia, na quinta-feira (18), ele reforçou:
“O mundo tem que saber uma coisa: esse país só é soberano porque o povo brasileiro tem orgulho desse país. Eu queria dizer para vocês que a gente vai julgar e vai cobrar impostos das empresas americanas digitais.”
Apesar da fala do presidente, o Ministério da Fazenda negou, no sábado (19), que o governo esteja considerando medidas mais duras nesse setor.
“O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nega que o governo brasileiro esteja avaliando a adoção de medidas mais rigorosas de controle sobre os dividendos como forma de retaliação às taxas adotadas pelos Estados Unidos e reafirma que essa possibilidade não está em consideração”, publicou a pasta nas redes sociais.
Mesmo assim, rumores indicam que o Brasil poderia retaliar em áreas como a quebra de patentes de medicamentos ou direitos autorais sobre obras audiovisuais. Essas medidas ainda estão sob análise e dependem do andamento das negociações e das ações definitivas do governo Trump.