
Vacina não mira câncer específico, mas ativa defesa imune poderosa
Pesquisadores da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, desenvolveram uma vacina experimental de mRNA que eliminou tumores em testes com camundongos. A descoberta foi publicada na quinta-feira (18) pela revista Nature Biomedical Engineering.
Diferente de outras vacinas contra o câncer, essa nova fórmula não foi criada para atingir um tipo específico de tumor. Em vez disso, ela ativa o sistema imunológico como se o organismo estivesse combatendo um vírus. Isso gerou uma resposta intensa das células de defesa, que passaram a identificar e atacar as células cancerosas.
“A grande surpresa é que uma vacina de mRNA, mesmo sem ter como alvo um câncer específico, conseguiu gerar uma resposta imune com efeitos anticâncer bastante significativos”, afirmou Elias Sayour, oncologista pediátrico e líder da pesquisa.
Combinação com imunoterapia reforça o ataque ao câncer
Para ampliar os efeitos da vacina, os cientistas a combinaram com medicamentos já usados na imunoterapia, como os inibidores de checkpoint imunológico. Esses fármacos, como o anti-PD-1, atuam liberando as células T, essenciais na defesa do corpo, para que ataquem os tumores com mais eficácia.
A estratégia foi testada em camundongos com melanoma, um câncer de pele agressivo. Os resultados surpreenderam: em alguns casos, os tumores desapareceram por completo. A vacina também mostrou eficácia contra tumores ósseos e cerebrais.
Segundo os pesquisadores, a chave do sucesso foi fazer com que os tumores passassem a expressar a proteína PD-L1. Essa proteína torna as células cancerosas mais visíveis para o sistema imunológico, o que aumentou a eficácia da imunoterapia. Essa espécie de “isca” pode se tornar um diferencial importante em tratamentos futuros.
Tecnologia é baseada no mesmo princípio das vacinas contra a covid-19
A estrutura da vacina experimental segue a lógica das vacinas de mRNA usadas na pandemia de covid-19, como as da Pfizer e da Moderna. O composto usa moléculas de RNA mensageiro envoltas em nanopartículas lipídicas, que carregam instruções para as células gerarem uma resposta imune eficiente.
Essa plataforma já havia sido usada anteriormente pela mesma equipe. No ano passado, o grupo de Elias Sayour testou, com bons resultados em humanos, uma vacina personalizada de mRNA para glioblastoma — um câncer cerebral raro e agressivo. Naquele estudo, a fórmula foi desenvolvida a partir das células tumorais de cada paciente.
Agora, o objetivo é ir além. A nova vacina aposta em uma fórmula genérica, capaz de ser aplicada amplamente, sem a necessidade de personalização.
Abordagem propõe nova era para vacinas oncológicas
Para os autores do estudo, essa proposta representa uma virada na forma de pensar vacinas contra o câncer. “Este estudo propõe um terceiro paradigma no desenvolvimento de vacinas contra o câncer”, explicou Duane Mitchell, coautor da pesquisa.
Ele complementou: “Em vez de adaptar a vacina a um tumor específico ou buscar alvos comuns entre pacientes, podemos usar uma resposta imune forte e inespecífica como arma principal.”
Essa abordagem pode representar uma esperança real para pacientes com tumores agressivos ou que não respondem bem a terapias convencionais, como quimioterapia e radioterapia.
Objetivo agora é iniciar testes clínicos em humanos
O próximo passo da equipe será levar a vacina para testes clínicos com pacientes humanos. “Se conseguirmos replicar esses efeitos em humanos, isso abre caminho para uma vacina universal que prepara o sistema imunológico para reconhecer e destruir o câncer”, afirmou Mitchell.
Segundo os pesquisadores, os estudos clínicos ainda devem levar alguns anos. No momento, a equipe trabalha para ajustar a formulação da vacina e garantir sua segurança para testes em larga escala.
A pesquisa foi financiada por várias instituições americanas, entre elas os Institutos Nacionais de Saúde (NIH). Os cientistas acreditam que a nova vacina pode representar uma mudança profunda no tratamento oncológico.
“Poderíamos despertar a resposta imune do próprio paciente contra seu tumor. Se isso for validado em humanos, terá implicações profundas no tratamento do câncer”, concluiu Mitchell.