
Mais de 240 mil páginas vêm à tona
Na segunda-feira (21), o governo dos Estados Unidos liberou um vasto conjunto de documentos que detalham a vigilância conduzida pelo FBI contra Martin Luther King Jr. A medida reacendeu debates sobre privacidade, justiça histórica e uso político da memória do líder dos direitos civis.
A documentação reúne mais de 240 mil páginas, que estavam sob sigilo judicial desde 1977. Naquele ano, o FBI transferiu os arquivos para os Arquivos Nacionais. A retirada da restrição aconteceu a pedido do Departamento de Justiça, mesmo que o sigilo estivesse previsto para durar até 2027.
Reação dos filhos de Martin Luther King Jr.
Martin Luther King III, de 67 anos, e Bernice King, de 62, expressaram desconforto com a publicação dos documentos. Em nota conjunta, divulgaram que ainda revisam o material por meio de equipes próprias, após terem recebido acesso antecipado.
“Como filhos do Dr. King e de Coretta Scott King, essa perda foi um luto profundo e pessoal — uma ausência que a nossa família carrega há mais de 57 anos”, escreveram. “Pedimos que quem acessar esses arquivos o faça com empatia, cautela e respeito pela nossa dor.” Eles reforçaram a convicção de que James Earl Ray, condenado pelo assassinato de King, não agiu sozinho — e talvez sequer tenha cometido o crime.
Divulgação acontece sob impulso de Trump
A liberação dos arquivos segue uma ordem executiva assinada pelo ex-presidente Donald Trump durante seu mandato. Ele havia prometido, ainda na campanha, abrir documentos sobre o assassinato de John F. Kennedy, de 1963. Mais tarde, estendeu a medida também aos casos de Robert F. Kennedy e de Martin Luther King Jr., ambos mortos em 1968.
Os arquivos sobre JFK foram divulgados em março. Em abril, foi a vez dos documentos sobre RFK. Agora, chegou a liberação dos registros sobre King.
Tulsi Gabbard, diretora de Inteligência Nacional, classificou a decisão como “sem precedentes”. Ela afirmou que muitos dos documentos foram digitalizados pela primeira vez e elogiou Trump pela iniciativa. A procuradora-geral Pam Bondi chegou a publicar uma foto ao lado de Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr., que também agradeceu a Trump pela “transparência”.
Divisão entre familiares e aliados do movimento
Ao contrário dos filhos do líder, Alveda King costuma discordar da posição da família em vários temas. Ela apoiou abertamente a divulgação. Já outros nomes ligados ao movimento dos direitos civis não pouparam críticas.
“Essa liberação não tem nada a ver com transparência ou justiça”, afirmou o reverendo Al Sharpton. “É uma tentativa desesperada de desviar o foco da crise que Trump enfrenta por causa dos arquivos de Epstein e da perda de apoio entre seus seguidores.”
Ligação com o caso Epstein levanta suspeitas
O momento da divulgação também gerou questionamentos. A medida ocorreu poucos dias após Donald Trump enfrentar críticas por manter sob sigilo parte dos documentos do caso Jeffrey Epstein. O empresário, acusado de tráfico sexual, se suicidou na prisão em 2019, antes de ser julgado.
Na sexta-feira (18), Trump autorizou a divulgação de apenas trechos dos depoimentos relacionados ao caso. O restante do processo continua classificado. Para críticos, a liberação dos arquivos de King funcionaria como distração.
FBI vigiou, grampeou e tentou sabotar King
Os documentos revelam práticas abusivas conduzidas pelo FBI sob o comando de J. Edgar Hoover. As ações incluíam escutas em quartos de hotel, grampos telefônicos e infiltrações em reuniões. O objetivo era enfraquecer o movimento liderado por King.
“Ele foi alvo de uma campanha de desinformação e vigilância invasiva, predatória e profundamente perturbadora, orquestrada por J. Edgar Hoover e pelo FBI”, relataram Bernice e Martin III. “O objetivo do programa COINTELPRO do governo não era apenas vigiar, mas destruir a reputação de nosso pai e desestabilizar o movimento de direitos civis. Essas ações foram ataques à verdade e às liberdades de cidadãos que lutavam por justiça.” Os filhos afirmaram apoiar “a transparência e a responsabilidade histórica”, mas condenam qualquer tentativa de “atacar o legado do nosso pai ou usá-lo para espalhar mentiras”.
Organização cofundada por King também se opõe
A Southern Christian Leadership Conference, criada por Martin Luther King em 1957, posicionou-se contra a liberação. O grupo defende que a vigilância promovida pelo FBI violou direitos fundamentais de líderes negros, especialmente de King.
A organização argumenta que o conteúdo divulgado pode ser explorado fora de contexto e reforça a necessidade de uma leitura crítica. Assim como a família King, a entidade vê nas ações do governo da época uma tentativa sistemática de minar movimentos sociais.
Família King nunca aceitou a versão oficial
Martin Luther King Jr. foi assassinado em Memphis, no dia 4 de abril de 1968, enquanto apoiava uma greve de garis. À época, o ativista já se dedicava também a causas ligadas à pobreza e à paz mundial.
James Earl Ray confessou o crime, mas logo depois voltou atrás e manteve a alegação de inocência até morrer, em 1998. A família King sempre contestou a versão oficial. Em 1998, a procuradora-geral dos EUA, Janet Reno, reabriu o caso. No entanto, o Departamento de Justiça não encontrou provas suficientes para revisar o julgamento.
No comunicado mais recente, os filhos de King relembraram um processo civil aberto pela família em 1999. Na ocasião, um júri concluiu que o assassinato resultou de uma conspiração. “Vamos analisar os arquivos divulgados agora para entender se eles trazem algo novo além do que já sabemos e aceitamos”, disseram.