Uma noite de festa e memória no Rio de Janeiro
Na quarta-feira (30), a Cidade das Artes Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro, foi palco da 24ª edição do Prêmio Grande Otelo, promovido pela Academia Brasileira de Cinema. Durante quatro horas, profissionais do audiovisual brasileiro celebraram o talento, a resistência e a diversidade do cinema nacional.
O evento, apresentado pelas atrizes Bárbara Paz e Isabel Fillardis, fez uma viagem pelas diferentes fases da cinematografia brasileira. Da era de Carmen Miranda com a Atlântida até a produção contemporânea, o público acompanhou homenagens, apresentações musicais e discursos emocionantes.
Walter Salles representa premiado internacional
Logo no início da cerimônia, o cineasta Walter Salles subiu ao palco para receber o prêmio de Melhor Trilha Sonora, conquistado pelo músico norte-americano Warren Ellis pelo filme Ainda Estou Aqui. “Muito obrigado, em nome do Warren. Ele soube das indicações antes de mim, e achou incrível. Para ele, ser indicado no Brasil, é um presente”, disse Salles ao agradecer.
O diretor destacou ainda a conexão artística entre Ellis e a protagonista real da história. “Ele entendeu que ela recusou melodrama e qualquer tipo de sentimentalismo”, afirmou, referindo-se à personagem Eunice Paiva, cuja trajetória inspirou o longa.
Apresentações musicais relembram clássicos do cinema
Durante a noite, a cantora Duda Brack interpretou músicas icônicas do cinema brasileiro, como O Que É Que a Baiana Tem?, de Dorival Caymmi, eternizada por Carmen Miranda. Em seguida, emocionou a plateia com Bye Bye Brasil, de Chico Buarque, e É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos — esta última associada ao momento atual do audiovisual nacional e ao longa Ainda Estou Aqui.
Selton Mello recebe seu primeiro prêmio por atuação
Um dos momentos mais tocantes da noite veio com a premiação do ator Selton Mello, que foi reconhecido por sua interpretação de Rubens Paiva. Em sua fala, demonstrou profunda gratidão pela oportunidade. “Walter, obrigado por ter me chamado para fazer um filme tão importante. Obrigado à família Paiva por ter me acolhido e ter achado que eu era a pessoa certa para fazer Rubens Paiva. Quando o filme estreou em Veneza, eu tive a sensação de que o filme era o corpo do Rubens. E, de uma certa maneira, eu emprestei o meu corpo para esse corpo que nunca voltou. Então, é muito tocante receber esse prêmio. É a minha primeira indicação por esse trabalho”, declarou.
Fernanda Torres homenageia Eunice Paiva e emociona a plateia
A atriz Fernanda Torres, também premiada, compartilhou o impacto de viver a personagem principal do longa. “Ainda Estou Aqui começou no Rio de Janeiro. E eu sinto que eu dei a volta ao mundo estando de volta aqui, com o Walter. Quero agradecer ao Walter, meu irmão, que me deu essa oportunidade. Eu já estou há 2 anos com a Eunice Paiva, e ela virou uma segunda natureza minha”, disse, comovida.
Ela continuou sua reflexão sobre o ofício de atuar e sobre o legado da personagem que interpretou. “E ela virou uma segunda natureza minha. E eu acho que os atores, eles dependem muito disso, de você encontrar o seu personagem, alguém que você é capaz de dar vida. E eu ter minimamente dado conta dessa grande brasileira, uma mulher que viveu uma época parecida com a que a gente está vivendo, assim, de medo, de insegurança, e que soube ser tão grande. Ela me ensinou tanto com o Walter sobre evitar o melodrama, sobre tentar ser como ator, assim, tentar se abrir para um personagem”, concluiu, sob aplausos.
Animações, documentários e cinema infantil também foram celebrados
Sérgio Machado foi duplamente premiado por Arca de Noé, na categoria Animação, e 3 Obás de Xangô, como Melhor Documentário. Com o troféu nas mãos, relembrou o início de sua jornada. “Conheci o mestre Grande Otelo quando comecei no cinema. Então, para mim, quando eu olhei ele agora, é que a ficha toda caiu, né, como se tivesse ligando tudo”, afirmou, emocionado.
Fernando Fraiha, vencedor de Melhor Filme Infantil por Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, também falou sobre sua realização pessoal. “Com esse filme, eu passei a acreditar que poderia ser feliz um dia dirigindo um filme infantil no Brasil. Eu quero dizer que é muito bom fazer um filme infantil. Muito mesmo!”
O ator mirim Isaac Amendoim também protagonizou um dos momentos mais sensíveis da noite. “Quero agradecer por receber esse prêmio aqui tão importante, e estar representando todos que fizeram esse filme lindo, eu estou muito feliz, gente”, disse com a voz embargada.
Grande final consagra “Ainda Estou Aqui” como Melhor Filme
Antes do encerramento da cerimônia, Walter Salles foi novamente ao palco, desta vez para receber o prêmio de Melhor Direção. Concorreram com ele cineastas como Karim Aïnouz (Motel Destino), Érico Rassi (Oeste Outra Vez), Marcelo Caetano (Baby) e Andrucha Waddington (Vitória).
O desfecho veio com a consagração de Ainda Estou Aqui como Melhor Filme. Salles celebrou a conquista com a equipe reunida no palco e fez uma analogia cinematográfica comovente. “O Andrei Tarkovski, que é um um diretor que eu sou apaixonado, ele dizia que o filme só levanta voo quando todos aqueles que estão na frente da câmera e também atrás da câmera estão na mesma artéria. E eu acho que se eu estou aqui agora é porque essa equipe que está me acompanhando hoje aqui teve realmente nessa artéria e se tornaram autores do filme. Então, isso aqui é de vocês também”, disse.
Por fim, dedicou o prêmio ao crítico de cinema José Carlos Avellar. “Eu queria dedicar esse prêmio a uma pessoa de quem eu sinto muita falta, que é um mestre, um crítico, um pensador do cinema incrível, que é o José Carlos Avellar. Para quem não conheceu, foi um companheiro de conversa desde Terra Estrangeira, que acho que eu não teria conseguido fazer esse filme”.