Conversamos com Patricia Lima, fundadora da Simple Organic, que acompanha de perto a COP30. Para ela, o evento revela camadas que vão muito além da agenda diplomática e ajudam o Brasil a compreender seu papel no futuro do clima. A seguir, você lê exatamente o que Patricia nos enviou, na íntegra e sem qualquer modificação:
A COP30 tem duas COPs. E o Brasil aprende com as duas.
A COP30 é um marco histórico para o Brasil. Pela primeira vez, sediamos o maior encontro climático do planeta, um evento que concentra líderes, cientistas, ativistas, empreendedores, investidores e organizações de todos os continentes durante quase duas semanas de debates. Mas existe um ponto que a maioria das pessoas não vê. Porque, na verdade, a COP não é uma só. A COP tem duas COPs.
A primeira é a COP que vemos na TV. É a COP oficial, das plenárias, dos chefes de Estado, das metas de descarbonização, dos compromissos internacionais, das negociações diplomáticas. É nela que surgem os grandes anúncios, os números que viralizam, as decisões que movimentam o mundo inteiro. É a COP da visibilidade.
Mas existe uma segunda COP. Uma COP paralela, subterrânea, viva. Uma COP que acontece em centenas de salas simultâneas, nos corredores, nos pavilhões temáticos, nos encontros improvisados, nas mesas com especialistas que dedicam suas vidas inteiras à mudança climática. É ali que estão os debates que nunca chegam às manchetes. E, paradoxalmente, é ali que mora boa parte da riqueza desse evento.
É nessas salas paralelas que vemos, por exemplo, discussões profundas sobre igualdade de gênero. Um dado que passou despercebido pela imprensa, mas que deveria ter chocado o mundo: menos de 1% do financiamento climático global vai para projetos liderados por mulheres empreendedoras. Isso significa que 99% dos recursos continuam indo para iniciativas lideradas por homens. Em plena era da emergência climática, quando sabemos que diversidade é inteligência estratégica, esse número revela o tamanho da urgência.
É também nessas salas que aparecem temas como indústria criativa e sua relação com o clima, algo que quase nunca entra no noticiário, mas que define comportamento, consumo, cultura e mentalidade coletiva. Moda, beleza, música, cinema, artes, comunicação. Tudo isso é clima. Tudo isso gera impacto e molda narrativas capazes de acelerar ou frear transformações. E ainda assim, esses debates acontecem à margem da cobertura tradicional.
E é justamente essa COP invisível que mostra por que a mudança climática está presente em todas as esferas da vida. Ela não é apenas carbono. Ela é gênero, raça, território, economia, saúde, tecnologia, cultura, alimentação, cidades, comportamento. A COP nos lembra que não existe um setor que esteja fora do clima porque não existe pessoa fora do planeta.
O Brasil sediar esse encontro é mais do que logística. É um ato simbólico e histórico. É colocar o país no centro das decisões globais. É mostrar que temos território, biodiversidade, cultura e potência criativa para influenciar o futuro do clima no mundo. E existe algo ainda mais profundo: não está escrito em nenhum lugar, mas essa COP deixa uma herança cultural para o Brasil. Ela muda a percepção coletiva. Ela forma lideranças. Ela abre portas. Ela educa gerações. Ela incentiva inovação. Ela cria um ambiente onde falar de clima deixa de ser nicho e passa a ser natural, cotidiano, popular.
A mídia mostra a COP que cabe no tempo. Mas a COP que cabe no futuro é muito maior. Ela está nos corredores, nos encontros informais, nas conversas improváveis, nos aprendizados invisíveis que cada pessoa leva para suas comunidades, negócios e decisões. E é essa camada que transforma países, que cria legado, que marca épocas.
A COP30 não foi apenas um evento climático. Foi um evento cultural. E essa é a verdadeira marca que o Brasil deixa para o mundo e para si mesmo.
