A posição do Congresso Nacional ao derrubar a maior parte dos vetos presidenciais sobre o projeto que altera o licenciamento ambiental reacendeu o conflito entre Executivo e Legislativo. Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a decisão aprovada na quinta-feira representa um ataque direto a um dos principais instrumentos de proteção ambiental do país.
Em entrevista nesta sexta-feira, Marina classificou a mudança como uma “demolição da legislação” em um momento de agravamento das emergências climáticas. Ela afirmou que o governo avalia acionar o Supremo Tribunal Federal para tentar reverter os dispositivos retomados pelos parlamentares, argumentando que o país não pode abrir mão de salvaguardas ambientais diante de eventos extremos cada vez mais frequentes.
Segundo a ministra, a legislação federal de licenciamento, em vigor há quase quatro décadas, tem funcionado como barreira para inúmeros desastres socioambientais. Ela alertou que, com o novo texto, tragédias que antes eram evitadas podem se tornar mais prováveis, especialmente diante de um cenário climático marcado por tempestades severas, estiagens prolongadas e até episódios atípicos, como tornados registrados recentemente no Brasil.
O Congresso rejeitou 56 dos 63 vetos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto. A decisão ampliou o desgaste político entre o Planalto e os parlamentares, que nos últimos dias vêm acumulando divergências sobre temas sensíveis para o governo. Na avaliação de Marina, a justificativa de modernização das regras serve apenas para suavizar o que ela considera retrocessos: órgãos como Ibama e ICMBio ficariam esvaziados em sua capacidade de fiscalização, deixando a população mais vulnerável.
A preocupação da ministra também se estende ao cenário internacional. Ela lembrou que o acordo entre Mercosul e União Europeia, ainda em fase final de negociação, estabelece compromissos ambientais claros, e que a flexibilização do licenciamento pode dificultar a entrada de produtos brasileiros em mercados que exigem rastreabilidade e redução de emissões. Países europeus, segundo Marina, não devem aceitar mercadorias associadas ao aumento de gases de efeito estufa.
O mesmo raciocínio, destacou ela, vale para a China, maior destino das exportações brasileiras e responsável por investimentos crescentes em tecnologias de descarbonização. Para a ministra, parceiros comerciais que buscam reduzir emissões não irão favorecer produtos vinculados ao desmatamento ou a queimadas.
Marina ainda alertou para a fragmentação legislativa que pode surgir a partir das novas regras, caso estados e municípios passem a criar normas próprias e desalinhadas. Ela ressaltou que impactos ambientais não respeitam limites administrativos e que a crise climática exige coordenação, não desagregação. Segundo a ministra, a flexibilização abre espaço para autodeclarações de conformidade por parte de empreendedores, enfraquecendo o papel do Estado na prevenção de riscos.
Diante desse cenário, o governo estuda medidas jurídicas para tentar restabelecer salvaguardas, enquanto organizações da sociedade civil alertam para possíveis consequências na conservação ambiental. Para Marina, o país vive um momento crítico que deveria unir esforços, e não ampliar vulnerabilidades.