O presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, trabalha para estabelecer um código de conduta destinado a orientar o comportamento de ministros dos tribunais superiores. A iniciativa, que vem sendo discutida desde sua posse, ganhou relevância após a repercussão da viagem realizada pelo ministro Dias Toffoli em um avião particular acompanhado de um advogado que atua no próprio Supremo.
A proposta de Fachin se inspira no modelo adotado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, referência pela clareza e rigor no trato de temas sensíveis como independência, transparência e prevenção de conflitos de interesse. O presidente do STF já apresentou a ideia a colegas da Corte e também a comandantes de outros tribunais superiores, buscando consenso para a futura implementação.
A discussão ganhou força depois da informação divulgada pelo colunista Lauro Jardim, de “O Globo”, e confirmada por veículos de imprensa, de que Toffoli viajou em um jatinho privado rumo à final da Libertadores, no Peru, na companhia do advogado Augusto Arruda Botelho. O profissional representa, no STF, o diretor de Compliance do Banco Master, instituição relacionada a um processo sensível em tramitação na Corte.
Interlocutores de Toffoli afirmaram que o ministro reconheceu a viagem, detalhando que o voo foi oferecido pelo empresário Luiz Oswaldo Pastore, seu amigo. O advogado que o acompanhou ainda não havia apresentado recurso ligado ao caso no momento do deslocamento. No entanto, Toffoli já havia sido sorteado para relatar o processo desde o dia anterior à partida para Lima.
O recurso da defesa só foi protocolado alguns dias depois, em 3 de dezembro, data em que o ministro determinou sigilo sobre o inquérito e concluiu a transferência do caso da Justiça Federal para o Supremo.
O documento alemão que inspira a proposta de Fachin estabelece parâmetros que, se adotados no Brasil, exigiriam mudanças significativas. Entre os trechos citados, o código afirma que magistrados podem participar de eventos remunerados apenas quando isso não comprometer a imagem da instituição ou gerar suspeitas sobre sua autonomia. Também determina que qualquer renda obtida deve ser tornada pública e permite custeio de despesas somente dentro de padrões considerados razoáveis.
A norma alemã ainda impõe limites quanto a presentes e benefícios, recomendando que só sejam aceitos em situações estritamente sociais e sempre em condições que não levantem dúvidas sobre a integridade do magistrado. A carona em jatinhos privados, por exemplo, seria alvo de debate imediato.
Críticas a ministros que participam de eventos custeados por empresas com processos em julgamento são frequentes no Brasil, especialmente quando há relação direta entre o patrocinador do evento e casos sob análise no gabinete do magistrado. O código europeu trata justamente desse tipo de situação ao reforçar que juízes devem atuar de forma independente e imparcial, preservando distância de interesses sociais, econômicos ou políticos que possam influenciar a percepção pública.
Outro ponto relevante diz respeito à postura pública dos magistrados. A regra orienta moderação ao comentar decisões judiciais e evita manifestações que possam sugerir posicionamento prévio sobre temas constitucionais ou processos pendentes.
A expectativa é que a proposta de Fachin abra uma discussão mais ampla sobre padrões éticos, aproximando a atuação dos tribunais superiores brasileiros de práticas adotadas por cortes constitucionais de outros países. A medida, se concretizada, deve enfrentar debates intensos, mas é vista por especialistas como um passo necessário para fortalecer a confiança na atuação do Judiciário.